Você conhece a Comunidade Bremen?

Comunidade é uma realidade viva e dinâmica na qual pessoas enraízam a vida, constroem identidade, alimentam sonhos e se comprometem, de muitos modos, níveis e de forma criativa e coletiva, com a construção diária de um espaço de partilha de vida.

A língua e a cultura do povo Xucuru ofereceu o termo Bremen que batiza esta comunidade. Xucuru é um entre os povos originários do continente latino-americano, povo que habita a serra sagrada do Ororubá, fronteira entre o agreste e o sertão de Pernambuco.

Bremen sinaliza bem mais que o cumprimento de bom dia entre os Xucuru. É compromisso com a busca cotidiana do bem viver! Desse modo, o termo expressa o desejo e o compromisso com a aliança ou o pacto de liberdade entre os membros da comunidade com o cuidado, a entrega e as partilhas necessárias para que se concretize o “bom dia” para o outro. Bremen foi assumido como nome e tradução da utopia, do ideal, do horizonte de busca e construção coletiva dessa comunidade singular que ensaia seus primeiros passos.

Assim como o Teko porã, dos que se irmanam e comungam a língua e a cultura guarani; como o Axé, para os de língua e cultura ketu; como o Shalom, para os de língua e cultura judaica; como o Sumak Kawsay para os de língua e cultura quéchua e como o Suma Qamaña, para os de língua e cultura aymara da Bolívia, Colômbia, Equador, Peru… o termo Bremen evoca memórias e práticas ancestrais. Trata-se de um conjunto de posturas e atitudes que brotam do aprendizado coletivo do cuidado necessário e que visa alimentar a aliança de vida. Traduz, portanto, a sabedoria que foi forjada na paciente tecitura coletiva e pela qual se tece juntos, se cultiva e se concretiza a práxis do amor, do respeito, do cuidado, do perdão e do bem querer mútuos. Mas também a resistência e a resiliência na luta contras as ameaças ao sistema vida.

A Comunidade Bremen é uma comunidade de irmãos e irmãs, de diversas idades e diferentes Igrejas cristãs, comunidade nascida de uma experiência fecunda vivida nos Encontros de Juventudes e Espiritualidades Libertadoras – ENJEL. Essa experiência despertou o desejo e a busca por “algo mais”, de maior comunhão e participação na luta dos pobres e excluídas/os e de seus movimentos de defesa da dignidade da vida e de construção de alternativas que alimentem o esperançar de “outras sociedades possíveis”. Por isso é uma comunidade de portas abertas constituída por pessoas que livremente se reúnem para vivenciar, dialogar, compartilhar e aprofundar uma espiritualidade ecumênica, projetos de vida e práticas libertadoras, discernidas no diálogo intergeracional e intercultural.

Como expressam Marcelo Barros e Rose Fernandes, como que ecoando as posturas e as atitudes cultivadas pelos membros da Comunidade Bremen: “se você sente chamada/o a percorrer um processo mais profundo de comunhão consigo mesma/o, com as juventudes e com o Mistério de Amor que fecunda o universo, então se sinta mais do que bem-vindo/a”.

Sem dúvida, no mais íntimo de cada um de nós, como vem acontecendo na caminhada de cada povo, nação, etnia, no seio de cada cultura, o Mistério Maior é experimentado como fonte para a busca diária de vida nova e recebe muitos nomes, nomes pelos quais nos relacionamos com esse Amor que nos envolve, nos irmana, nos fortalece e nos faz viver sempre esperançados.

Sem excluir nenhum nome que veicula a experiência decisiva desse Mistério Inesgotável de Amor, nomes que confirmam esta presença amorosa e libertadora que nos ama e que se revela sempre conosco, para quem é cristão ou cristã, o Amor se revela e se irradia de um nome singular: Jesus de Nazaré. Ele é o Cristo que nos revela por anúncio e testemunho o projeto salvífico do Abba querido: um Amor gratuito, incondicional e universal, desde os mais pobres e vulneráveis. Pela força criativa e curativa do Espírito Santo, que habita o interior de cada um de nós e em todos os seres albergados em nossa Casa comum, experimentamos na pessoa de Jesus, em seus ensinamentos e gestos proféticos, a proximidade desse Mistério de Amor, sempre estradeiro conosco e bem pertinho de cada um de nós.

Reconhecemos que esse inesgotável Mistério de Amor é experimentado e nomeado de muitos modos nas diversas tradições religiosas. Pelos judeus, é nomeado, dentre outros, por IHWH, Iahweh, Adonai, Elohim, El Shadai…; pelos muçulmanos, por Allah, Al-rahim, Al Khaliq…, pelos povos originários como Aranãmi, Guaraci, Jaci, Tupã…, pelos povos de terreiro, como Mawa, Olorum, Zambi, Oxalá…, pelos hindus, por Bhrama, Krishna, Vishnu, Shiva… A lista é enorme, pois há muitas outras maneiras de se evocar e/ ou nomear o Mistério Maior de Amor. Mistério sempre experimentado como fonte de luz e força para a busca do bem viver e do cuidado que promove a dignidade da vida. Por isso se manifesta como fonte de lucidez e esperança para quem está submergido pelas sombras da morte; fonte de força e coragem para que se encontra enfraquecido, excluído e oprimido pela força dominadora de grupos poderosos; fonte de alegria e de ânimo para quem está mergulhado num oceano de tristeza ou abatido pelos muitos tentáculos da violência.

Nesse sentido, o grito da Terra e o grito dos empobrecidos se tornam critérios de discernimento da presença contagiante, provocante, interpelativa e atuante do Mistério de Amor. E por isso vemos tantas pessoas que, com o desenvolvimento da sensibilidade ecológica, por aliança de amor, assumem a luta em defesa de nossa Casa comum para impedir que ela continue “sendo agredida e ferida pela ambição dos poderosos que organizam o mundo em vista do lucro e transformam tudo em mercadoria”. E por isso vemos tantas pessoas que, com o desenvolvimento da sensibilidade ética, assumem, por amor, a defesa da dignidade de quem está condenado a viver nos cárceres da humanidade e dão às mãos aos pobres, cativos e injustiçados, para juntos impedir que a lógica da exclusão e do descarte de pessoas continue a sacrificar diabolicamente seres humanos condenando-os à opressão da miséria, da fome e da morte prematura.

Para os cristãos e cristãs, os princípios e os valores humanos, encarnados coerente e profeticamente na práxis libertadora de Jesus, são acolhidos como boa nova de Deus para toda a humanidade e a criação. Eles se apresentam e ressoam como forte interpelação para o compromisso de defesa e cuidado com a vida, onde esta está ameaçada e ferida.

A comunidade Bremen deseja ser, nas palavras de Marcelo Barros, “uma parábola viva do projeto divino para o mundo”. A comunidade assume como sua missão a busca contínua de concretizar, no contexto atual, a “práxis libertadora de Jesus” e, pela chama atrativa do Mistério de Amor, sempre presente conosco, suscitar “outros grupos interculturais” e “comunidades autônomas” que teimosamente vão ensaiando profecias de um mundo novo, e, assim, com alegria, leveza e criatividade, sejam fermento de “outras sociedades possíveis”.

Edward Guimarães

Membro da Comunidade Bremen

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